Acabou num repente, assim mesmo, e poderia agora já parar de escrever, pois mais não é, pulou-se num piscar do futuro ocasional para o passado intencional. É claro que o momento em que começo a escrever esta frase já não é mais o mesmo em que termino, mas não posso fazer esta comparação com eles, pobres coitados, seria no mínimo injusto, pois ocorre que lá não houve um momento presente como aqui, presentes, inteiramente presentes, apenas os corpos, e muitas vezes nem estes, e as almas só de sobreaviso, esturricadas, inflamadas que estavam, presas que estavam, não puderam em momento algum realmente estar.
Esbarraram-se certo dia e logo depois eram amantes, tempo passado, daqueles que namoram as escondidas, não por força do hábito mas pelo hábito a força. Da alma distante, um sentia como se não andasse com as pernas, mas com os colhões, passadas largas, meladas, afobadas, desejosas, o desejo é mesmo uma coisa louca, pensava, mas não sabia bem com que cabeça, e se havia alguma, e será que penso ou são apenas instintos? ação? reação? felação? Mas ainda assim andava firme, escroto ante escroto, não havendo cérebro não há moral, repetia incontáveis vezes sem se dar conta de que havia sim um cérebro, e uma moral, talvez amoral à outros olhos, mas de que importa se era sua, pessoal, possessiva, fiel não aos demais, mas aos seus impulsos, seus desejos, seu prazer, sua mente, sua carne.
Pois gozava de dois acompanhantes, talvez três, se contabilizarmos a culpa, bendita ou maldita que seja, que lhe seguia como sombra, sempre próxima, grudada, marcando seus passos, seus atos, seu rastro, espelho que é, atraente que é, sempre escura, sempre, quase sempre, só não se deixando notar quando o todo também era negridão, sem foco de luz algum, sem um que atravessasse seu caminho. À estas horas, mascarado pela noite e desprezando o remorso, dedicava os verbos, o estar, o querer, o descobrir, o possuir.
O outro, no embalo deste, talvez vergonhoso e certamente consciente, livrava-se aos poucos desta culpa justamente quando também desenvolvia o mesmo senso de moral pessoal, e o elevava à outro nível, afastando o remorso para seu bel prazer. Aos poucos se permitiria estar, ah se houvesse mais tempo!, mas decisão tomada já não cabem mais ses, será?, teimava em questionar, o fato consumado o consumindo, a relatividade das horas, o futuro, sua incerteza. Conjugava também o estar, o querer, o descobrir e o possuir, mas nesta hora já eram tempos passados.
Vale dizer que ambos eram simpáticos entre si, muitas afinidades, gostos em comum, e também personalidade, arianos, quentes, impulsivos, ansiosos, curiosos, turrões, imãs de mesmo pólo e que ainda assim se grudam com tamanha intensidade, vai entender. Fico pensando o que poderia ser se continuassem a se ver, a se tocar, a trair apenas aos demais e nunca a si mesmos. É mesmo muito chato acabar um conto assim, já acabado desde o princípio, mas as coisas são como são, e o que posso fazer? Por hora a moral pessoal cedeu à coletiva, data marcada pro fim. Do futuro já não sei. Talvez continuem amigos, talvez algo mais, depois, talvez, quem sabe.