terça-feira, 25 de maio de 2010

Rejeitado em si



Uma descarga,
e um fluxo de insalubridade contínua,
e o caldo espesso e espuma abrindo caminho,
e já não há mais oxigênio aqui,
e o cheiro, o podre que faria cair um nariz,
da água fétida percorrendo os canais infindos,
e os ratos à margem que acompanham em bandos
os peixes e esterco que boiam e seguem o ritmo
num simulacro da vida que já não há mais aqui,
e na curva outro despejo clandestino,
amônia e uréia correndo e limo,
e o sexo, o imundo, o gozo,
e agora se segue outro rumo,
e sangue, muito sangue,
e agora é a lâmina quem abre o caminho,
e é vinho, é verde e vinho,
fluindo, saindo, caindo
e indo,
se indo,
sê indo.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Verossimilhança



Estava cansado, mas não conseguia dormir.

- Hoje me sinto franco, soltou. Ocorre que, a princípio, o intento era dizer que estava fraco. O turbilhão de pensamentos acabou por expor a palavra torta, que depois de pronunciada, não lhe soou menos verdadeira. Comparou-se a um franco-atirador.

sábado, 1 de maio de 2010

Sentidos




Senti o vigor, o frenesi das hemáceas pulsando nas veias. Desejou cada parte intocável de mim. Segui seu olhar percorrendo meu rosto - olhos, nariz, lábios, meus cabelos que em cachos caíam sobre os seios para depois voar, rodando junto ao corpo: noutro segundo já ocupavam o lugar dos pés. Sua língua me acompanhava em círculos por dentro da boca, a ponta contornando-a e marcando a pele, parando apenas para engolir a saliva e mordiscando o lábio em sinal de tesão contido. Das vezes que esquecia de fazê-lo, o corpo não mais respondendo ao cérebro, pingava-lhe a baba sobre as calças, que manchavam também pelo avesso. Não fossem os movimentos involuntários de suas cabeças poderia acreditá-lo estátua, tamanha a concentração que detinha em mim. Mais um rodopio. Fiz do ar meu colchão, os peitos apontando para o paraíso, as pernas abertas em ponto de fuga, que não demorou a percorrer. O pé curvado evidenciava a ponta do salto vermelho carmim, impecavelmente alinhado com a perna. A pele macia e marcada pela meia arrastão confundia o olhar, mas não o desviava. Ele sabia onde queria chegar, e eu também. Um desconforto. Deslizei, tirando-lhe o foco novamente. Era ele apenas mais um bêbado, tal qual outro qualquer neste puteiro. Por que motivo haveria eu de me encantar?