domingo, 26 de setembro de 2010

Kamikaze

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O ônibus se fora, com um aceno de adeus. Faltava-lhe ainda cerca de um quilômetro a percorrer até a casa, mas a vontade era de andar a esmo, dando margem aos pensamentos vãos. À exceção das horas despendidas no escritório, onde se desligava totalmente de sua vida pessoal, já faziam longos oito meses que sua cabeça ebulia com o "egocentrismo adquirido" - forma como nomeou sua nova e curiosa incapacidade: a paixão.

Compreendia o porquê de muitas de suas atitudes, ou a falta delas. De início, tudo lhe parecia muito simples como matemática. Uma progressão aritmética, onde se subtraem de um número natural suas decepções, uma a uma. O resultado será sempre menor que o anterior e logo a paixão se esvai. Tudo seguia perfeitamente conforme a lógica, porém a lógica não lhe bastava. Sabia que se tratava de um sentimento, que para estes não há razão, e envergonhava-se por explicar tão sucintamente o que os mais renomados poetas passam a vida remoendo das formas mais rebuscadas. O letreiro luminoso lhe despertou a atenção. Foram quatro segundos fitando-o até decidir entrar e mais quinze para encontrar um assento disponível frente ao bar.

- Kamikaze, por favor.

Realmente curioso era que quanto mais se dedicava ao enigma pessoal, mais se distanciava da solução. Se antes possuía a resposta na palma das mãos, agora a mesma era fluída, instável, escapando-lhe mais por entre os dedos a cada sinapse realizada. Imaginou a possibilidade de estar apaixonado pela paixão, tamanho o transtorno que a mesma lhe causara com sua ausência. Buscou por ela em diversos corpos, mas baldaram-se os esforços - tornara-se, mesmo, incapaz de apaixonar. Seria ela a razão de sua existência? Lembrou-se de sua mãe. Até então pensara em paixão, sem se dar conta do amor. No instante seguinte cogitou loucura. Pegou a taça que lhe fora servida e tomou 3/4 do drinque em um gole. A bebida, feita com vodka e limão, era amarga como a vida. Sentiu sua coxa tremer, e num toque constatou o celular vibrando.


- Oi querido! É a Rita! - disse de prontidão a voz no outro lado da linha. - Nosso rendez-vous ainda está de pé?

- Claro! Chego em 40 minutos.